Mercado
Carro sem motorista ameaça mercado
tecnologia - 25/08/2017
Os Estados Unidos devem aprovar em setembro um projeto de lei que vai permitir que uma quantidade limitada de carros sem motorista trafeguem pelas estradas do país, sinalizando que os chamados automóveis autodirigidos estão de fato entrando no dia-a-dia das pessoas.
A novidade deve ter o efeito de um verdadeiro terremoto na indústria de seguros. Um carro sem motoristas também será um veículo sem um comprador de apólices de seguros de automóveis, uma das principais fontes de lucros do setor em todo o mundo.
O projeto de lei em questão foi aprovado por uma subcomissão da Casa de Representantes do Congresso americano em 19 de julho e deve ser votado pelo plenário do Congresso em setembro.
O projeto permite, entre outras medidas, que a indústria coloque em circulação, em um primeiro momento, 100.000 veículos autônomos, que estarão sujeitos a regras de segurança menos rigorosas do que as dos carros normais.
Como o projeto recebeu amplo apoio de republicanos e democratas na subcomissão, e tem sido alvo de forte lobby da indústria automobilística americana, além de grandes empresas tecnológicas, espera-se que seja aprovado sem grandes problemas pelo pleno parlamentar. Uma vez que os carros sem motoristas se consolidem no principal mercado do mundo, é de se esperar que não tardem muito em chegar também a países como o Brasil.
“Cerca de 40 mil vidas se perdem em acidentes rodoviários todos os anos (nos EUA), e cerca de 94% destes acidentes são causados por erros humanos”, comentou David Strickland, da Coalização de Auto-Condução para Estratas Mais Seguras, um grupo de lobby apoiado pela indústria automobilística. “Ao remover os humanos detrás do volante, os veículos autodirigidos oferecem a oportunidade de salvar vidas e aprimorar a mobilidade.”
O otimismo se deve à adoção de tecnologias como a detecção e aviso antecipado de colisões, os sensores de mudança de pista e os sensores de consumo de álcool que devem equipar os automóveis do futuro.
Sem dúvida uma grande notícia para os passageiros dos automóveis em questão. Não tanto, porém, para a indústria do seguro.
Novo conceito
Para Anand S. Rao, o chefe de Inovação do Grupo de Analítica da consultora PwC nos EUA, o seguro para automóveis não vai sumir. O que sim vai acontecer é que o produto sofrerá uma mudança radical em sua própria natureza.
Em resumo, deixará de ser um produto de seguros massificados para se tornar uma linha de seguro de grandes riscos, ou quem sabe mesmo um risco transferido diretamente ao mercado de resseguros.
Isso porque a responsabilidade pelos acidentes deixará de recair sobre o motorista, um personagem que, se os gurus tecnológicos estiverem corretos, um dia não vai mais existir, e passará para o próprio produto.
Consequentemente, será a montadora do veículo que terá que proporcionar a cobertura de seguro para o veículo e para terceiros. Ao invés de um seguro individual do motorista, o automóvel será protegido por apólices de responsabilidade de produto negociadas pela montadora diretamente com os subscritores, cobrindo toda uma gama de veículos.
“Os seguradores B2B vão acabar fechando acordos com as montadoras. E, em alguns casos, como já estamos começando a ver na Europa, as montadoras podem optar por reter o risco, e transferi-lo diretamente ao mercado de resseguros,” afirmou Rao à Risco Seguro Brasil.
Não é difícil ver, então, onde é que está o problema. Ao invés de centenas de milhões de segurados individuais, o mercado de seguros para automóveis se reduzirá a um punhado de grandes clientes que vão trabalhar com um grupo restrito de seguradoras ou resseguradoras, provavelmente também de grande porte.
Rao prevê, portanto, que, ao final da transição para um mundo de automóveis autônomos, apenas umas poucas seguradoras vão conseguir fazer dinheiro com esta linha de produto.
Transição
O “xis” da questão, para as empresas que hoje têm uma forte presença em seguros para automóveis, é quando isto deve acontecer.
Há quem acredite que a transição vai ocorrer a toque de caixa. A RethinkX, um think tank, prevê que, em 2030, 95% da quilometragem percorrida por automóveis nos EUA será obra dos veículos autônomos.
Outros lembram que o desafio é grande, e que os mais afoitos outrora previram que os carros não necessitariam motoristas já na década de 1960.
Par Rao, a transição será gradual, e muitas seguradores terão tempo de se adaptar, se quiserem, para enfrentar as novas condições de mercado.
Ele sugere que os subscritores que planejem competir na nova de seguros de responsabilidade de produtos para automóveis desde já façam um trabalho de aproximação com os fabricantes de veículos.
Isso pode ser uma boa fonte de faturamento especialmente logo que os veículos autônomos forem predominantes, uma vez que os inevitáveis percalços que serão encontrados pela nova tecnologia devem criar um alto nível de perdas logo a princípio, o que possibilitará cobrar preços mais altos.
No próprio processo de mudança, deve haver oportunidades para as seguradoras mais antenadas. Por exemplos, os especialistas preveem que os carros “duais”, ou seja, que permitem tanto a condução manual quanto a automática, vão povoar as estradas antes dos veículos puramente autônomos.
As seguradoras poderão então utilizar os dados coletados por veículos conectados para aprender mais sobre a evolução dos hábitos dos motoristas, permitindo uma precificação mais afinada de suas coberturas.
“Será fácil de monitorar quanto tempo os motoristas manterão suas mãos no volante, e quanto tempo passarão para o modo de autocondução, e então fatiar o risco”, disse o especialista.
O período estimado de condução manual poderia então ser coberto por uma apólice de seguros tradicional, e o tempo de autocondução, pela responsabilidade do produto.
“Dessa maneira, as seguradoras podem adaptar suas tarifas e oferecer produtos especialmente desenhados para atrair cada vez mais proprietários de veículos de modo dual”, completou Rao.
No final, porém, poucas terão condições de competir no mercado de seguros para automóveis.
Fonte: risco seguro