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Mercado de seguros precisa caminhar para autorregulação

mercado - 12/03/2021

O presidente da Fenacor (Federação Nacional dos Corretores de Seguros Privados e de Resseguros, de Capitalização, de Previdência Privada, das Empresas Corretoras de Seguros e de Resseguros), Armando Vergilio, fez uma análise do desenvolvimento do mercado de seguros, em entrevista.

Para Vergilio, que já atuou como superintendente da autarquia responsável pela regulação do setor, a Susep (Superintendência de Seguros Privados), o setor continua com grande força de crescimento e potencial de dobrar de tamanho nos próximos cinco ou seis anos.

A perspectiva é baseada em números do próprio mercado – o setor mais que duplicou seu faturamento na década, ao passar de R$ 125 bilhões, em 2011, para R$ 273,1 bilhões, em 2020.

Embora seja considerado um país sem cultura para o consumo de seguros, o Brasil se mostra numa crescente nos carros-chefes do mercado, que são os blocos: vida, saúde e auto. Há aproximadamente 47 milhões de segurados na saúde suplementar, correspondente a cerca de 22% da população. No setor de auto, a depender da frota circulante, a estimativa é de que 30% da frota seja segurada.

Segundo Vergilio, esses são só exemplos do quanto esse mercado pode impulsionar a economia brasileira, com reflexos na empregabilidade do setor.

O mercado de seguros emprega direta ou indiretamente aproximadamente 180 mil pessoas por meio de seguradoras, entidades de previdência privada aberta, sociedades de capitalização, resseguradoras e empresas que prestam serviços para o mercado. Somado a esse número, há ainda os postos de trabalho diretos e indiretos gerados pelos 100 mil corretores de seguros (pessoas físicas ou jurídicas). Com isso, é possível estimar que o mercado como um todo, emprega mais de 300 mil pessoas.

Entrevista:

A Susep ao longo de 2020 mostrou várias iniciativas para desonerar o consumidor e melhorar o mercado de seguros (baixar o nível de regulação)? Como o presidente avalia essas inciativas?

Somos favoráveis a ajustes pontuais na legislação em vigor, até para que se possa acompanhar os novos desejos e demandas da sociedade e os avanços trazidos pela tecnologia. Contudo, o excesso de desregulação pode ser prejudicial e deixar o consumidor desprotegido. Na verdade, e especificamente no mercado de seguros, é indispensável haver mecanismos legais de proteção ao segurado. Isso porque a cultura do seguro não está amplamente disseminada no País. A grande maioria, ou quase a totalidade da população, desconhece o funcionamento do setor de seguros, as bases que sustentam os contratos, os limites de cada cobertura ou o que pode ou não ser excluído da proteção do seguro.

Então, é importante ter não apenas regras consistentes, mas também um órgão regulador e fiscalizador atento e efetivo, além de profissionais do mercado preparados para amparar, orientar e assessorar o consumidor. Esse, a exemplo, é o papel do corretor de seguros, categoria que foi alvo de uma ação até agora inexplicável por parte da Susep, que tentou incluir na MP 905 dispositivos que simplesmente extinguiam a profissão, atingindo 100 mil profissionais e empresas.

Essa tentativa, felizmente, foi frustrada no Congresso Nacional, com a queda da MP 905. Mas, ainda temos visto iniciativas infralegais da autarquia com o objetivo de atingir os corretores, as quais estão sendo combatidas e questionadas na Justiça e no Congresso, através de ações e de projetos de lei.

Então, o que muitas vezes é chamado de avanço ou desregulação pode representar apenas um movimento motivado por interesses menores, não necessariamente favoráveis aos consumidores.

É preciso, então, separar com muito cuidado o joio do trigo.

Mas, estamos prontos para colaborar com sugestões e debates que possam permitir a aprovação das propostas que efetivamente tenham como objetivo aumentar o número de brasileiros protegidos pelo seguro.

Muito se fala no excesso de regulação que provoca barreiras à entrada de novos consumidores e faz com que menos empresas estejam presentes no mercado, o que diminui a concorrência no setor. Como reduzir o possível excesso de regulação e aumentar os números de empresas no mercado, mantendo a segurança do setor?

Regulação nunca foi impedimento para a entrada de novos consumidores. Na verdade, talvez estivesse faltando um pouco mais de empenho e criatividade das empresas para desenvolver produtos adequadas para os diferentes públicos. Mas, quando se trata de proteger o patrimônio, a vida e o futuro das pessoas, é muito melhor e até recomendável eventualmente errar pelo excesso e, depois, se for o caso, corrigir os excessos onde forem identificados.

Há mais de 100 seguradoras operando no País, de todos os portes e com produtos voltados para diferentes nichos da sociedade. Igualmente, passa de 130 o número de resseguradoras autorizadas a atuar no Brasil, sejam locais, eventuais ou admitidas, assegurando uma garantia maior principalmente para os grandes riscos. Há ainda dezenas de entidades atuando na previdência aberta e na capitalização. E o consumidor conta também com a assessoria e consultoria de 100 mil corretores de seguros, que estão presentes em praticamente todos os municípios brasileiros.

O nível de investimento em novas tecnologias é bastante elevado no setor. Aliás, durante a pandemia, temos visto que o mercado de seguros soube rapidamente reagir para atender os clientes com agilidade, esmero e eficiência. Poucos setores foram tão necessários para a sociedade como este mercado durante a mais grave crise da saúde pública no Brasil nos últimos 100 anos. E nos saímos muito bem.

Destaco ainda que não há na legislação qualquer impedimento para a atuação das insurtechs, mas existem certas exigências que precisam ser cumpridos por todas as empresas.

O risco é simplesmente abrir o mercado para qualquer um, com exigências mínimas, sob a alegação de que é preciso aumentar a concorrência. O que está em jogo, repito, é a proteção do patrimônio que as pessoas levaram a vida toda para construir, os seus negócios, a vida, o futuro da família.

Em quais setores regras mais simples seriam bem-vindas? Por quê?

Regras mais simples, claras e transparentes sempre são muito bem-vindas em qualquer segmento. Porém, como eu disse antes, a população não conhece o seguro e não podemos deixar o consumidor sujeito aos efeitos de uma errada interpretação de cláusulas contratuais concebidas sob a égide de “regras simplificadas”.

O que precisamos, de fato, é usar uma linguagem usual, de fácil entendimento; facilitar o processo de contratação, até por meio virtual, desde que o consumidor esteja bem informado sobre o que está contratando. É nesse processo que a consultoria de um corretor de seguros profissional faz toda diferença; e desburocratizar o processo de liquidação de sinistros, para torná-lo mais ágil. Consumidores bem informados e que forem atendidos com rapidez quando mais precisam do serviço contratado, trarão mais clientes para o mercado. Creio que ainda não inventaram melhor ferramenta para o crescimento de um mercado do que esse efeito cascata provocado por clientes satisfeitos.

Ressalto ainda que regras muito simples podem escancarar as portas do mercado de seguros para aventureiros e empresas sem qualificação para atuar como seguradoras. Hoje, mesmo com um marco regulatório menos “flexível”, o mercado de seguros já vem sendo alvo de associações e entidades que agem irregularmente como se fossem seguradoras e que, muitas vezes, ludibriam os consumidores, causando prejuízos para a população e provocando sério dano à imagem do nosso setor.

Então, é importante também que haja uma fiscalização efetiva de todos os segmentos do mercado. A Susep está despreparada para assumir essa missão e possivelmente essa seja uma das razões para que a autarquia busque tanto essa “simplificação” das normas em vigor. Na minha opinião, seria muito mais fácil permitir o uso de ferramentas que já demonstraram ser muito eficientes em diferentes setores, em todo o mundo, como a autorregulação, por exemplo.

O setor de seguros é um mercado que tem buscado inovação. Como o presidente vê a nova geração de seguradoras digitais, as “insurtechs”, que foram selecionadas para o programa de impulso à inovação – o chamado “sandbox”?

As insurtechs vieram para ficar. É uma tendência mundial. Creio que, em linhas gerais, trazem uma importante colaboração para o mercado, principalmente com inovações que podem ser adaptadas de diferentes formas por outras empresas e segmentos do nosso setor.

No caso específico do Sandbox, a nossa preocupação é com os possíveis excessos de liberalidade nas regras aprovadas. Sem fazer referência a qualquer uma das empresas já selecionadas e autorizadas a operar no Sandbox até o momento, que, com certeza, estão aptas a cumprir o seu papel, entendo que é preciso ter muito cuidado para não abrirmos as portas e janelas do setor a aventureiros estrangeiros, que não oferecerão qualquer garantia aos segurados. O risco é real e estaremos atentos.

Quais as vantagens e desvantagens da liberdade contratual (como contratos flexíveis como o liga-desliga) para estimular a concorrência e transparência?

Dependendo do caso, o “liga e desliga” pode até se tornar o seguro mais caro do que o modelo tradicional, pois é indicado apenas para quem pouco ou quase nunca utiliza o seu veículo. Então, o consumidor precisa ficar atento. Mas, em linhas gerais, não vejo problemas na adoção de contratos mais flexíveis, desde que o cliente esteja protegido por uma regulação adequada e consistente.

Está em discussão o marco regulatório do setor. O que o presidente vê como indispensável estar nessa nova lei?

Não acredito que sejam necessárias muitas mudanças na estrutura das bases regulatórias vigentes. É preciso, sim, fazer ajustes e adequações ao cenário atual, levando em conta questões tecnológicas e comportamentais (do consumidor, mais especificamente). A autorregulação é um ponto importante, porque tira o peso do órgão regulador e torna a fiscalização mais eficiente, aumentando a proteção ao consumidor. É preciso viabilizar e incentivar também os produtos voltados para as camadas mais pobres da população. E falo de seguros populares, não do microsseguro. Mas, para isso, será preciso mexer também na questão tributária. Enfim, entendo que é importante haver um amplo debate do governo com o setor privado para chegarmos a um modelo apropriado.

Como o seguro saúde reagiu à pandemia de Covid-19? Quais são as perspectivas para o mercado e os clientes?

Reagiu muito bem e a sociedade reconhece isso. Ter um seguro saúde possivelmente passou a ser o principal desejo da população. E isso não ocorre apenas pelo medo da pandemia. A sociedade percebeu que os segurados foram bem atendidos, com zelo, agilidade e eficiência. Não fosse a saúde suplementar, o número de contaminados e de mortos seria muito maior.

Quais seguros foram mais prejudicados pela pandemia, e quais se saíram bem?

O que houve, logo no primeiro momento da pandemia, foi um movimento admirável do mercado, e é preciso destacar, iniciado e difundido pela Fenacor, que permitiu o pagamento das indenizações nos seguros de pessoas mesmo quando essa cobertura estava excluída nas condições contratuais para os riscos ligados à pandemia. Mais de 95% das seguradoras aderiram a esse movimento.

Afora isso, não houve um segmento efetivamente afetado. Até pelo contrário. Com o isolamento social, caiu, por exemplo, o número de indenizações pagas nos seguros de automóveis e as relacionadas a consultas médicas, exames e cirurgias.

O mercado encerrou o ano andando de lado, com ligeiro crescimento em relação a 2019, o que foi uma grande conquista, uma vez que a economia, em geral, sofreu forte abalo.

Fonte: Jornal A Tarde