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Ministério Público investiga venda casada

Comercialização - 30/03/2011

O aposentado Sérgio Merlino Gomes Palheiros, de 77 anos, comprou um notebook por R$ 1,6 mil. A venda foi realizada no ano passado, em uma grande rede de lojas de eletrodomésticos, em Divinópolis, a 120 quilômetros de BH, no Centro-Oeste de Minas. Quando acabou de efetuar o pagamento, veio a surpresa: ao passar o cartão, ele pagou, sem saber, por um seguro que não havia solicitado. A conta acabou saindo quase R$ 200 mais cara. “Chegaram a zombar de mim quando pedi que devolvessem o valor ou cancelassem a compra”, lembra.

Palheiros, assim como outros consumidores, denunciou o caso ao Procon e ao Ministério Público do município, que realizou uma fiscalização em 10 lojas de seis grandes redes que atuam em Divinópolis. A venda, que pode ser considerada propaganda enganosa e estelionato, estava sendo realizada na grande maioria dos estabelecimentos do setor. Desde dezembro, foi aberto um processo administrativo e, atualmente, corre uma ação civil pública que pode levar à interdição da atividade ou gerar multa, de acordo com o faturamento da empresa. “Meses depois da compra, a loja me ligou informando que eu poderia receber o valor de volta. Mas acho que só tive esse retorno porque não fiquei parado e levei o caso à Justiça”, conta Palheiros.

Tanto a venda casada quanto a propaganda enganosa são práticas expressamente proibidas no Brasil, pelo Código de Defesa do Consumidor. Há crime quando é caracterizado que o fornecedor de produtos ou serviços recusa cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade; e também é considerada enganosa “qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços” (art. 37).

De acordo com o promotor de Justiça Sérgio Gildin, responsável pela ação, esse tipo de comércio passou a ser “habitual” em Divinópolis, uma vez que todas as lojas de eletrodomésticos fiscalizadas apresentaram o mesmo problema. “Não posso afirmar que a situação partiu da própria empresa. Mesmo porque, essa prática pode sim estar partindo de vendedores que buscam aumentar sua comissão. No entanto, isso não diminui a responsabilidade da loja. Elas vão ter que apresentar defesa”, diz.

No processo, consumidores denunciam casos parecidos: acreditando estar fazendo um bom negócio, o cliente escolhia os produtos, negociava o preço e, na hora de pagar a conta, era surpreendido por um valor a mais. A quantia cobrada por esses “benefícios” pode variar de poucos centavos a até mais de R$ 200. “Recebemos denúncia de apenas uma empresa e, durante fiscalização, descobrimos que outras redes do ramo estavam realizando o mesmo tipo de venda. Está sendo negado ao consumidor o direito à informação”, explica.

VÍTIMA A aposentada Lazara Maria da Silva, de 63 anos, também caiu no golpe da venda casada. Há mais de um ano, ela havia comprado um micro-ondas, um DVD e um som. Na hora de pagar, ela gastou mais de R$ 200 num seguro de 3 anos para os aparelhos. “Só percebi quando estava em casa. No dia seguinte, fui à loja e pedi o dinheiro de volta. Eles me trataram com desprezo, não resolveram meu problema e eu procurei o Procon. Até hoje, estou esperando para ver qual vai ser o desfecho”, conta.

Cerca de 20 dias depois de ter comprado o som, o equipamento apresentou defeito. Como já havia pagado, mesmo sem querer, pelo seguro que garantiria a troca da mercadoria, Lazara Silva voltou à loja e, mais uma vez, foi embora insatisfeita. “Mandaram eu levar para arrumar, mas o seguro falava que seria possível trocar o produto. Com muito custo eles trocaram. Só que o som que eu havia comprado era prata e eu tive que levar um preto para casa porque não havia mais a cor que eu tinha gostado”, afirma.

Segundo o coordenador-geral do Procon Assembléia, Marcelo Barbosa, o consumidor pode exigir que o valor cobrado a mais seja retirado da conta e, se o pagamento já tiver sido efetuado, o cliente tem direito a receber de volta valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. “Caso o consumidor se sinta lesado, ele deve exigir que o valor seja ressarcido. Não tem porque pagar por um serviço que não contratou”, explicou.

O que a 2º Promotoria de Justiça da Comarca de Divinópolis, especializada na defesa do consumidor, constatou como venda casada é uma prática comum em cerca de 10% dos negócios com eletrodomésticos que ocorrem no estado, segundo cálculos do Procon Assembleia de Minas Gerais. A irregularidade, de acordo com Marcelo Barbosa, consiste em embutir no preço final da mercadoria produtos não solicitados, como garantia estendida, seguro de vida, seguro residencial, título de capitalização e até cursos on-line (para citar os mais comuns nas notas fiscais apreendidas em Divinópolis). “As pessoas olham só o preço final e nem conferem, na descrição, o que compraram, mas percebo que há um aumento das reclamações tanto de venda casada quanto de propaganda enganosa”, complementa Barbosa.

A diferença entre os dois problemas é que no primeiro, o cliente é induzido a comprar um produto complementar (como uma garantia, por exemplo) e está ciente disso. Já na propaganda enganosa, o cliente é induzido ao erro porque ele não é avisado que o preço do que quer pagar é diferente do que está levando. Sem desconfiar, o comerciante Wilton Gomes da Silva vivenciou o segundo problema na semana passada, ao comprar um micro-ondas. “O vendedor me ofereceu um aparelho por R$ 399 e foi esse o preço que eu paguei”, disse. No entanto, ao verificar a nota, ele percebeu que o valor era de R$ 389. Haviam R$10 a mais que estavam descritos como seguro de vida, com registro, inclusive, na Superintendência de SEGUROS Privados (SUSEP).

“Eles sempre empurram um tanto de coisa para encarecer a conta, mas nem sempre compensa. Eu fico de olho, porque uma vez paguei R$ 36 a mais pelo seguro de um DVD e um ano depois do uso ele estragou. O dinheiro gasto a mais foi em vão”, diz o soldador Márcio Pereira Oliveira, que na semana passada foi com a mãe Isabel Maria dos Santos ao Centro de Belo Horizonte para comprar um liquidificador.


Previna-se

Confira sempre a Nota Fiscal

Não aceite que seguros ou garantias sejam embutidos no preço dos produtos adquiridos

Guarde sempre os folhetos com as ofertas das lojas

Se não conseguir resolver a pendência diretamente com o lojista, procure o Procon

O que diz o Código de Defesa do Consumidor

ART. 30 – Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar a cumprí-la e integra o contrato que vier a ser celebrado.

ART. 35 – Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:
1 – exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;
2 – aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;
3 – rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.

ART. 37 – É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
1º – É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
2º – É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua Saúde ou segurança.
3º – Para os efeitos deste Código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

Fonte: Estado de Minas