Notícias

Como será o impacto da Ômicron no seguro de vida

mercado - 02/02/2022

A nova onda de coronavírus, causada pela variante ômicron, deve elevar a sinistralidade no segmento de seguros de vida, já que esse indicador caminha muito colado ao crescimento na curva diária de mortes. Ainda assim, com boa parte da população vacinada e indícios de que essa variante pode ser mais leve, o setor não espera o mesmo impacto brutal que a pandemia teve nos resultados no início de 2021.

O pior momento de curva de mortes pelo coronavírus no Brasil foi em abril do ano passado, quando a média de sete dias superou 3,1 mil casos. Não por acaso, as seis maiores seguradoras do país tiveram forte impacto nos seus balanços no segundo trimestre daquele ano. O resultado operacional combinado teve queda anual de 51%.

Levantamento da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi) mostra que o mercado segurador já pagou mais de R$ 5,7 bilhões em indenizações de segurados vítimas da covid-19 desde o início da pandemia. Destes, cerca de R$ 4,6 bilhões foram desembolsados em 2021.

Bernardo Castello, membro das comissões de Produtos de Risco e por Sobrevivência da Fenaprevi, explica que o aumento na sinistralidade nos seguros de vida tem correlação direta com a curva de mortes. Entretanto, como leva um tempo entre o óbito, o aviso às seguradoras e o efetivo pagamento, há um descasamento de dois ou três meses. Ou seja, se a onda atual atingir um pico em meados de fevereiro, como preveem os especialistas, as seguradoras seriam mais afetadas entre abril e maio. Como a penetração de seguros de vida no Brasil é entre 20% e 25%, e considerando que até agora o país já teve 627 mil mortes, já são quase 125 mil sinistros pagos desde o início da pandemia.

O executivo explica que é muito difícil fazer previsões, mas estudos apontam alguns cenários para o Brasil, considerando o que tem acontecido com a ômicron em outros países. No pior cenário, o país teria mais 60 mil mortes este ano. No melhor deles, algo entre 10 mil e 20 mil.

“A gente tem lugares como o Reino Unido, onde o contágio cresceu exponencialmente, mas as mortes cresceram pouco, e lugares como Nova York, onde os casos cresceram muito e as mortes também. A diferença é explicada principalmente pelo porcentual de vacinados, e nesse critério nós estamos mais perto do Reino Unido”, diz. “O impacto dessa onda vai ser bem mais leve, porque em março, abril do ano passado tinha muito pouca gente vacinada”.

Eduardo Domeque, diretor de seguros do Itaú, também acredita que o impacto da atual onda para as seguradoras será menor do que em 2021. “A situação atual indica um aumento na sinistralidade dos seguros de vida durante o primeiro semestre. Apesar de o cenário indicar que a porcentagem de óbitos em relação ao número de infectados deve ser menor do que a observada em 2020 e 2021, o alto número de infectados tem potencial para impactar a sinistralidade. Ainda assim, acreditamos que o impacto na sinistralidade ocorrerá de forma mais leve do que o observado nos anos anteriores.”

Ele também aponta que o maior número de vacinados e sinais de que a ômicron é mais leve são as principais justificativas para esperar um impacto menor. Entretanto, faz uma ressalva. “Os últimos dois anos de pandemia já nos mostraram que tudo pode acontecer e que os cenários se alteram com frequência.”

Raphael Barreto, diretor financeiro da MAG (Mongeral Aegon), diz que hoje o Brasil vive uma pandemia de não-vacinados, que são entre 70% e 80% das internações e mortes. “Tivemos as festas de fim de ano e houve uma contaminação muito grande. A grande pergunta é até onde essa curva de mortes vai. Não acho que vá ser tão grave quanto foi em 2021, mas hoje vemos os casos aumentando.”

A média móvel de mortes, que chegou à mínima de 58 em janeiro - apesar de o número ter distorções em função do ataque hacker sofrido pelo Ministério da Saúde - já está em 540, com alta de 238% sobre duas semanas antes.

Para os analistas do UBS, após um desempenho muito ruim das ações de seguradoras em 2021, este ano pode ser mais positivo. “Apesar das perspectivas de crescimento mais lento do PIB, a expansão dos prêmios pode ser suportada por comparações mais fáceis (especialmente o segmento prestamista), espera-se que a sinistralidade melhore em geral (após os impactos negativos da covid-19 durante 2021) enquanto os resultados financeiros devem ser apoiados por taxas de juros mais altas.”

O Goldman Sachs manteve ontem sua recomendação de “compra” para as ações da BB Seguridade e elevou as estimativas de lucro. Ainda assim, disse que há riscos. “Os principais riscos negativos incluem um possível aumento no índice de sinistralidade, que pode ser afetado por condições climáticas ou novas ondas de covid-19.”

Apesar de elevar os sinistros, a pandemia também levou muitas pessoas a buscarem proteção, o que colaborou para um aumento de 17,3% nos prêmios de seguro de vida no ano passado. Barreto, da MAG, acredita que não se trata de um replicas relojes suizos movimento passageiro. “É algo que veio para ficar. A percepção de necessidade do brasileiro em relação ao seguro de vida mudou muito com a pandemia. A penetração no Brasil ainda é muito pequena e tem um espaço enorme para crescer.” A seguradora tem 4 milhões de vidas na sua carteira e em 2021 os prêmios cresceram 46%.

Como regra geral, pandemias são consideradas “risco excluído” nos seguros de vida, ou seja, não há cobertura para esse tipo de morte nas apólices e as seguradoras não são obrigadas, por lei, a pagar o sinistro. Com a covid-19, o que houve foi que todas se comprometeram, por mera liberalidade, a arcar com essas indenizações. Participantes do mercado dizem que, em tese, elas poderiam parar de pagar esses seguros de uma hora para outra, mas nesse caso muito provavelmente haveria uma forte judicialização, sem contar o risco de imagem para a companhia que optar por essa conduta.

Mesmo decorridos dois anos do início da pandemia, na maior parte dos casos não houve mudança nos contratos. Algumas seguradoras estão adicionando nas novas apólices a cobertura para a covid-19 - não para outras pandemias - e os contratos antigos não foram atualizados.

Fonte: Valor Econômico