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Indenizações no seguro rural saltam 353% em um ano

produto - 08/09/2022

As mudanças climáticas começam a afetar o agronegócio brasileiro, segundo especialistas e produtores. E alguns números comprovam essa situação: a quebra de safra por problemas climáticos levou o pagamento de indenizações a produtores, dentro do programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), do Ministério da Agricultura, ao recorde de R$ 7,7 bilhões no primeiro semestre deste ano.

O valor desembolsado foi 353% maior do que o registrado em igual período do ano passado, quando chegou a R$ 1,7 bilhão, e já superou o total dessas indenizações em todo 2021, quando somaram R$ 5,4 bilhões.

Mas os impactos podem ser ainda maiores: no começo do ano, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) contabilizou que a safra 2021/2022 sofreu perdas de R$ 70 bilhões com a estiagem. Desde 2019, a perda média de rentabilidade por safra está em R$ 45 bilhões. E, embora problemas climáticos sempre tenham ocorrido, eles estão se tornando mais intensos e mais frequentes. Basta observar os impactos da seca em países da Europa, América do Norte e da Ásia.

— As estatísticas fogem do padrão clássico — afirma o climatologista do Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), José Marengo. — O aumento da frequência e da intensidade do La Niña mostra uma clara alteração de padrão.

Neste ano, o governo culpa os problemas na safra ao La Niña — fenômeno que tradicionalmente causa seca no Sul e chuvas no Nordeste. Mas os próprios produtores reconhecem que estes problemas estão piores. Dono de uma fazenda localizada no município de Boa Vista das Missões, no noroeste do Rio Grande do Sul, Ivonei Librelotto acredita que a agricultura está sendo bastante afetada pelo clima:

— Há oito ou dez anos, eu diria que a agricultura era perfeita. O que observo hoje são picos de frio e de calor. Não é que o verão ou o inverno tenham mudado. Mas os extremos de calor e frio acontecem com mais frequência. Há duas semanas, a temperatura estava 30 graus na sexta-feira e no sábado e caiu a zero na segunda-feira — diz Librelotto, que já ganhou prêmios por iniciativas destinadas a aumentar a produtividade para enfrentar eventos climáticos adversos.

— Com certeza, o aquecimento no planeta castiga bastante não só o Brasil, mas o mundo todo. O clima sem controle, com seca e frio muito intensos no mês de maio, por exemplo, causou muitos problemas. Perdi bastante milho e soja por causa disso.

Especialistas comprovam esta situação. Eduardo Assad, do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp e pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV), destaca o que meteorologistas têm observado: desde 2010, o La Niña aconteceu por três anos seguidos em um período de dez anos. Ele explica que isso só havia acontecido, em intervalos maiores, nos anos de 1954, 1973, 1983 e 1999:

— Tem tudo a ver com a mudança climática.

Desmatamento na Amazônia

Argemiro Teixeira, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que o aquecimento global afeta o agronegócio como um todo. E alerta que o desmatamento na Amazônia contribui para essa situação:

— Estamos esquecendo das mudanças climáticas diretas induzidas também pelo desmatamento. Quando falamos de mudanças climáticas globais, é sobre algo que já chegou. O Centro-Oeste, por exemplo, grande produtor de alimentos, já passa por mudanças bruscas no regime de chuvas.

— Se há secas muito severas, fora da normalidade, não haverá capim suficiente para o gado na pecuária, o que vai influenciar na produção e no preço da carne e do leite. A fruticultura, a produção de grãos, tudo é afetado — explica ele.

O governo federal, contudo, nega o impacto das mudanças climáticas na agropecuária. O diretor do Departamento de Gestão de Riscos do Ministério da Agricultura, Pedro Loyola, afirma que o aumento no número de indenizações este ano se deve ao La Niña. Segundo ele, não se pode vincular esse fenômeno ao aquecimento do planeta:

— Tivemos seca em cinco estados do Centro-Sul, que contratam muito seguro para soja e milho. Não tem nada a ver com o aquecimento global. Tivemos uma grande contratação de seguro no último ano e uma sinistralidade por causa da seca

Fenômenos extremos

De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), no fim de 2021, a estiagem em toda a Região Sul afetou fortemente a produtividade das lavouras, sobretudo milho e soja. No caso do milho, a estimativa era de 8.159 quilogramas por hectare (kg/ha), mas acabou encerrando a safra em 4.990 kg/ha, uma quebra de 39%. A soja teve uma redução ainda maior em relação ao que havia sido projetado: de 3.530 kg/ha para 1.835 kg/ha.

“Tudo reflexo da falta de chuvas”, destaca a estatal. A Conab também aponta o arroz e o café como exemplos de produtos afetados negativamente pela seca. O trigo ainda não foi impactado porque começou a ser plantado em abril.

Ludmila Rattis, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e do Woodwell Climate Research Center, explica que tanto La Niña quanto El Niño têm sido amplificados pelos efeitos das mudanças climáticas. A ligação entre esses fenômenos e o aquecimento global, ressalta ela, é algo que ainda está sendo construído pela ciência.

Já a diretora-executiva do Instituto de Manejo e Certificação Florestal Agrícola (Imaflora), Marina Piatto, alerta que as mudanças climáticas vão gerar com mais intensidade não apenas seca, mas excesso de chuvas, ou seja, fenômenos extremos:

— Há muitas variedades de soja e milho adaptadas a essas alterações climáticas. Mas a velocidade do melhoramento genético talvez não acompanhe a mudança climática.

Fonte: O Globo