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Aumenta aversão do resseguro global ao Brasil
resseguro - 17/04/2023
As difíceis condições de renovação de capacidade no resseguro internacional e o momento de crédito mais escasso podem trazer uma dor de cabeça de R$ 150 bilhões para as companhias brasileiras, avalia o CEO da BMG Seguros e conselheiro do Instituto de Inovação em Seguros (IIS), think tank da FGV, Jorge Sant’Anna. “Temos encontrado lá fora o pior cenário de interesse do resseguro mundial para o Brasil nos últimos 20 anos”, diz o executivo. O valor equivale à parte da demanda de seguro garantia judicial que pode ficar sem cobertura neste ano diante do cenário de maior cautela do setor.
A indústria de resseguro internacional vive um “hard market”, ou seja, um momento de elevação de preços e aumento de rigor na subscrição dos riscos. A agência de classificação de riscos Fitch afirma que o ambiente de custos mais elevados para a contratação de capacidade de resseguro “deve persistir ao longo de 2023, com o aumento de preços ajudando a compensar inflação de sinistros e volatilidade nos mercados financeiros”.
No mercado de títulos ILS, ou seja, aqueles atrelados a carteiras de resseguros, “os ‘spreads’ dos novos títulos ‘cat bonds’ estão nas máximas de várias décadas”, diz a agência, em relatório sobre o setor. Os cat bonds são papéis de dívida emitidos no mercado de capitais com lastro nos riscos catastróficos. Isso funciona como termômetro das taxas de resseguro, porque serve como importante fonte de financiamento para companhias do setor.
Conforme a agência de rating, as taxas de resseguro também permanecem perto dos valores máximos vistos na última década. De acordo com a Fitch, “nossas fontes estão sugerindo que as renovações de abril terão alguns dos maiores aumentos anuais”.
O Brasil enfrenta ainda percepção de aumento adicional de risco para os resseguradores estrangeiros devido a eventos recentes, como a pior seca dos últimos 90 anos no Sul e em parte do Centro-Oeste no ano passado. Também pesa a recente série de pedidos de recuperação judicial realizados por grandes grupos como Americanas, Oi, Cervejaria Petrópolis e outros.
Conforme o CEO da BMG Seguros, “existe uma percepção severa de aumento de risco em relação ao Brasil”. A cautela de resseguradores internacionais ocorre, segundo Sant’Anna, “sobretudo pelo efeito Americanas, que impactou os segmentos de seguro de crédito e de fiança locatícia, em conjunto com os eventos climáticos enfrentados pelo setor agropecuário do país e as catástrofes vividas por vários países no mundo em 2022”.
O problema maior desse ambiente, na verdade, vem de um reflexo indireto dessa maior aversão a exposição ao mercado brasileiro. De acordo com o especialista, o resseguro internacional começa a ficar restritivo também na subscrição de riscos relacionados ao ramo de seguros de garantia judicial.
“A questão é que o seguro de garantia judicial, na prática, é um grande elemento de ‘funding’ para as corporações no Brasil”, afirma o CEO da BMG Seguros. Isso porque, com o uso do instrumento, as empresas evitam ter de depositar grandes somas em contas judiciais para compor uma garantia em processos. O produto substitui, em causas cíveis, trabalhistas, cautelares e outras, a necessidade de provisão para cauções, depósitos judiciais em dinheiro, penhora de bens e fianças bancárias.
Nos últimos dez anos, aponta o executivo, as corporações brasileiras deixaram de provisionar entre R$ 2 trilhões e R$ 2,5 trilhões em garantias judiciais, substituídas pelo seguro, que costuma custar entre 2% e 10% do valor garantido. Apenas em 2022, segundo os cálculos da seguradora, deixaram de sair do bolso das empresas para depósito judicial entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões. “Diante dessas cifras, podemos dizer que o ramo tem um papel fundamental na liquidez corporativa no país”, diz.
A maior parte desse risco é assumido por resseguradores internacionais. Isso porque o resseguro funciona como uma espécie de “seguro da seguradora”. Ao contratar capacidade, as empresas brasileiras, na prática, repassam os riscos da carteira para os grandes grupos internacionais.
De acordo com o conselheiro do IIS/FGV, a demanda por seguro de garantia judicial tende a dobrar neste ano em comparação a 2022, diante da volta do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que tende a favorecer o governo. “A estimativa é que a demanda alcance R$ 300 bilhões para o produto”, pontua.
No entanto, sem aumento da capacidade de resseguro, cerca de R$ 150 bilhões ficariam sem cobertura e teriam de ser desembolsados pelas empresas para constituir as novas garantias nos processos. “Isso é particularmente preocupante em um momento em que vemos uma retração na concessão de crédito no Brasil. Se as seguradoras param de dar seguro garantia judicial, muito provavelmente, os bancos não vão cobrir esse custo.”
De acordo com Sant’Anna, os maiores grupos brasileiros de seguros têm conseguido apenas manter a capacidade disponibilizada em 2022 em termos de resseguros. Mas, no geral, a tendência para o setor é de redução do volume de subscrição em 2023.
O evento Americanas reforçou a percepção de aumento de risco no Brasil por conta do crescimento da sinistralidade. Segundo dados da Superintendência de Seguros Privados (Susep), apenas nos dois primeiros meses do ano os sinistros de seguros de crédito alcançaram R$ 670 milhões. Em todo o ano de 2022, as indenizações alcançaram R$ 929 milhões. De acordo com a Susep, em 2021 os sinistros foram significativamente abaixo de 2022, com custo de R$ 504 milhões, ou seja, 45,74% menos.
Outro fator que tem reforçado a cautela do setor de ressseguros internacional em relação ao país é o aumento das indenizações do agronegócio. Os números da Susep mostram que, em 2020, os sinistros alcançaram R$ 3,7 bilhões. No ano seguinte, a cifra subiu para R$ 7,1 bilhões. Em 2022, as indenizações do setor agro somaram R$ 10,5 bilhões.
Além disso, o mercado internacional entrou no modo “hard market” devido à sequência de catástrofes climáticas em 2022. Os desastres naturais geraram perdas globais de US$ 125 bilhões para seguradoras e resseguradoras, conforme a Swiss Re.
Sant’Anna também aponta outro fator entre aqueles que têm gerado insegurança nos subscritores estrangeiros. Segundo o executivo, casos de “ativismo judicial” no país inspiram a percepção de pouca segurança jurídica em contratos do setor. “Há casos de juízes que decidem impor o acionamento do seguro sem respeitar as condições dos clausulados”, explica. “Isso assusta o ressegurador internacional, que vê que as regras podem mudar de uma hora para outra.”
Fonte: Valor Econômico